Estudo aponta que o Brasil enfrenta crise hídrica de hoje com mentalidade de 20 anos atrás

A crise que causou o racionamento de energia há 20 anos parece não ter sido suficiente para que o Brasil tenha aprimorado estratégias de enfrentamento ao desabastecimento hídrico. De acordo com a análise do Instituto Escolhas, o caminho a seguir seria o avanço em direção às fontes renováveis como norte estrutural para garantir ao País mais segurança à sua matriz. O Brasil, no entanto, segue apostando em soluções imediatistas.

O Instituto publicou um estudo cujo resultado aponta para um comportamento ineficaz de utilização das térmicas como solução para a crise. De acordo com a entidade, o Governo Federal se mantém preso a “soluções imediatistas e que já se mostraram pouco efetivas, como também em termos estruturais”.

Uma das alternativas para minimizar os efeitos seria a contratação intensiva de fontes renováveis não hídricas, como é o caso da eólica, solar e também da biomassa, de forma a complementar a geração hidrelétrica e assim auxiliar na recuperação dos reservatórios. Além disso, o estudo fala da necessidade de ampliar o espaço para outras opções, como o biogás, por meio de leilões dedicados, como alternativa para contribuir à geração centralizada.

Especialistas apontam que, mesmo no tema da hidroeletricidade, o País está ultrapassado. Em entrevista, Larissa Rodrigues, gerente de Projetos e Produtos do Instituto Escolhas, afirma que se tratam de “velhas fórmulas, baseadas em sequências históricas que não consideram as profundas e aceleradas mudanças climáticas e ambientais”. Rodrigues também citou o exemplo da Bacia do Paraná, extremamente atingida pela crise hídrica, e na qual é possível notar alterações no perfil de vazões nos últimos 20 anos. No entanto, quando o período de chuvas volta a ocorrer, o problema fica esquecido até que seja impossível de ignorar novamente por causa da seca.

Em seu relatório, o Instituto Escolhas afirma que o “fantasma de um racionamento, por mais que se tente afastá-lo, é cada vez mais real. Logo, é preciso de uma vez por todas considerar os efeitos das mudanças climáticas no planejamento e operação do setor”.

A publicação também sugere que seja implantado um sistema de gestão integrada dos recursos hídricos. De forma direta, a ação poderia aperfeiçoar o monitoramento da água, por meio de planejamento e gestão efetiva de todos os dados relativos às retiradas, uso e retorno do recurso. A efetivação desse sistema exigiria a alteração das séries de vazões, um monitoramento mais eficaz das precipitações, com mais postos de medição, além de um melhor aparelhamento e distribuição geográfica. Também seria necessária a criação de uma base oficial de dados sobre o tipo de resfriamento de cada termelétrica, entre outras.

O Instituto afirma que “é preciso, ainda, rever o papel que cada fonte vem recebendo do planejamento energético brasileiro nas projeções de expansão, sobretudo no que tange à insistência em ampliar a participação do gás natural no mix elétrico. É possível garantir o abastecimento de energia elétrica aumentando-se mais e mais a participação das fontes renováveis – eólica, solar e de biomassa, a ponto de tais fontes atingirem participação de 44% no total da matriz elétrica em 2035, ante os 19% atuais”.

 

Antigas soluções

O Escolhas mantém-se crítico à escolha do Governo Federal em expandir a oferta de usinas termelétricas como forma de resolver o problema atual e cita a Medida Provisória (MP) 1055, seguida pela formação da CREG ( ) e a previsão de contratação de energia de forma emergencial, que pode vir novamente através das termelétricas que queimam combustíveis poluentes.

Críticas também foram feitas ao Congresso Nacional. A Casa incluiu 8GW de potência em novas térmicas movidas a gás natural na MP 1031, posteriormente convertida na Lei 14.182. O problema, nesse caso, é que foram incluídas usinas no Nordeste, uma região em que a utilização múltipla de água produz taxas como a criada no Ceará, visto que as centrais de geração também utilizam água para sua operação, além de não haver infraestrutura para fornecer o combustível.

Para o Instituto, a precificação das fontes energéticas no País segue uma lógica em que não são observados todos os atributos ambientais e sociais, parâmetros que hoje devem guiar a expansão energética. Assim, é criada uma falsa ilusão do que são fontes mais baratas ou mais caras.

A falta de diálogo com outros setores importantes, como o agropecuário, o de saneamento e o de resíduos sólidos urbanos/aterros sanitários (RSU), é uma das condicionantes a esse comportamento que ignora a possibilidade de sua contribuição na oferta tanto ao Sistema Interligado Nacional (SIN) quanto para a geração distribuída.

O estudo, no entanto, admite existirem mudanças promovidas na matriz energética do País desde 2001 e destaca como a principal, até agora, a diversificação de fontes.

 

Efetividade

Outro aspecto contemplado na análise feita no relatório é a questão da eficiência energética. Se as medidas necessárias já tivessem sido adotadas com antecedência, o País poderia ter feito uma economia satisfatória através do não consumo.

Para o Instituto Escolhas, o Brasil ainda considera como supereficientes energeticamente dispositivos que, em outras partes do mundo, já são “lembranças do passado”. E menciona que haveria significativo ganho caso o Inmetro exigisse mais eficiência em equipamentos como ar-condicionado e geladeiras.

De acordo com os dados do estudo, poderia haver uma economia de até R$ 68,5 bilhões até 2035 na energia necessária para suprir o consumo nacional caso fosse realizado um alinhamento das políticas industriais e de eficiência energética para os dispositivos de ar-condicionado. Os números chegam à metade do consumo registrado em 2020. Seriam cerca de 240,94 mil GWh evitados apenas para o consumo dos aparelhos de ar-condicionado utilizados no Brasil hoje (seguindo os níveis exigidos de acordo com a legislação atual). Sem contar as emissões de 6,7 milhões de toneladas de CO2 evitadas.

Os benefícios da eficiência energética nas geladeiras poderiam ser ainda mais significativos em um espaço menor de tempo. A redução poderia chegar a 10TWh até 2030. Como resultado, haveria menor pressão no consumo elétrico atual.

Hoje em dia, o consumidor tem uma pequena margem de contribuição na redução de demanda por energia no País. Isso porque a eficiência energética ainda é uma fonte preterida no Brasil. De acordo com Sergio Leitão, do Instituto Escolhas, “a eficiência energética é outra fonte desprezada, mais um sinal do nosso atraso. Ainda pensamos o planejamento como uma relação linear entre oferta e demanda, quando justamente o que se pede agora é o oposto: de quanto menos energia iremos precisar para fazer o País funcionar. Mas hoje há pouca margem para que o consumidor contribua com a redução do consumo”.

De acordo com a análise, o consumidor não é o vilão da crise elétrica. Segundo Larissa Rodrigues, mesmo que tivesse recursos financeiros para aquisição de equipamentos mais eficientes, não seria possível para o consumidor encontrá-los no mercado. A gerente de projetos sai em defesa de uma renovação na oferta de produtos para evitar que os consumidores sigam assumindo as altas nas tarifas nos sobressaltos elétricos.

  • Categoria: Notícias
  • Data: 19/08/2021

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